sexta-feira, 2 de abril de 2010
# Ao Alcance de Todos #
Tenho pena que não vejam o aquecimento que é feito antes dos ensaios ou dos espectáculos. Tenho pena que não vejam o gesto que o Manuel escolhe para que os outros o imitem: são os braços bem abertos para o ar. Sentado na cadeira de rodas, o Manuel voa. “Alguém nos pode dar uma ajuda? Por favor ajudem-me!” É a primeira frase dita em voz alta no espectáculo Border Control. Um pouco mais à frente, já o armário louco de gavetas que se desdobrou numa cama de almofadas gigantes está no centro do palco, ouve-se: “Deixem-me ir embora! Não quero ficar aqui! Quero ser livre. Só tenho uma vida.” Num sono agitado, percebemos que Ana quer ir à Lua ou que Jorge quer nadar no mar. Que todos querem passar a fronteira como se fossem uma tartaruga. Ou um crocodilo, propõe Francisco.
A Casa da Música anuncia o programa Ao Alcance de Todos. Aí está o palco ao alcance deles. E ainda bem. Aqui, escondem a cara atrás das mãos. Mas não de vergonha. Apoiam-se nos corpos uns dos outros. Mas não por fraqueza. Cantam, tocam, andam. Ou não. Falam. Ou não. Voam, todos. Ao Alcance de Todos inclui os dois espectáculos, Border Control e Viagem. O primeiro, um projecto de Tim Yealland e Rachel Leach, envolve cerca de 25 pessoas com diferentes “limitações mentais” do CerciGaia e esteve em cena na quinta e na sexta-feira. Dizia-se que este teatro musical “metaforiza o modo como a sociedade encara quem é diferente”. Mas, mais do que isso, falou de sonhar. Os sonhos de cada um dos actores estavam impressos nos bilhetes. “Quem tem o sonho de ir à Lua com asas, com guarda-chuva e óculos especiais?”, “Quem tem o sonho de flutuar na floresta com raios de luz de marcha-atrás?”, “Quem tem o sonho de ir a Viana do Castelo?”. E “construir uma nau para conhecer o Tom Cruise”, “ir a Espanha”, “cantar com a Mónica Sintra” ou “conhecer todas as pessoas do mundo”? Eles.
O concerto encenado chamado Viagem é inspirado no livro de José Saramago (A Viagem do Elefante). É o resultado de dois anos do projecto Instrumentos para Todos, dirigido por Rolf Gehlaar. No palco da Sala Suggia, hoje às 21h, estão 70 pessoas. “Um vasto e ecléctico elenco que dá corpo a um concerto que evolui com a própria narrativa de Saramago.” Uma história de sons sobre a viagem de um elefante de Lisboa até Viena. É verdade que têm necessidades especiais. Precisam de coisas diferentes ou das mesmas de outra maneira. Mas têm também algo muito especial para dar. Algo que nós, sentados na plateia, não temos. Em momentos de palco como estes, somos nós que temos respostas para as nossas necessidades especiais. Estão ali, ao alcance de todos.
O texto publicado da Andreia Cunha Freitas no Jornal Público no suplemento P2 pag.12 e 13 , Sabádo 3 Abril 2010
Porto,30 e 31 de Março 2010
Fotos:Paulo Pimenta
Casa Da Música
AO ALCANCE DE TODOS MÚSICA TECNOLOGIA E NECESSIDADE ESPECIAIS ESPECTÁCULO VIAGEM INPIRADO NO LIVRO A VIAGEM DO ELEFANTE DE JOSÉ SARAMAGO, ROLF GEHLHAAR DIR. ARTÍSTICA, ESPECTÁCULO BORDER CONTROL TIM YEALLAND, RACHEL LEACH DIR.ARTÍSTICA
http://static.publico.clix.pt/docs/cultura/alcancedetodos/
A Casa da Música anuncia o programa Ao Alcance de Todos. Aí está o palco ao alcance deles. E ainda bem. Aqui, escondem a cara atrás das mãos. Mas não de vergonha. Apoiam-se nos corpos uns dos outros. Mas não por fraqueza. Cantam, tocam, andam. Ou não. Falam. Ou não. Voam, todos. Ao Alcance de Todos inclui os dois espectáculos, Border Control e Viagem. O primeiro, um projecto de Tim Yealland e Rachel Leach, envolve cerca de 25 pessoas com diferentes “limitações mentais” do CerciGaia e esteve em cena na quinta e na sexta-feira. Dizia-se que este teatro musical “metaforiza o modo como a sociedade encara quem é diferente”. Mas, mais do que isso, falou de sonhar. Os sonhos de cada um dos actores estavam impressos nos bilhetes. “Quem tem o sonho de ir à Lua com asas, com guarda-chuva e óculos especiais?”, “Quem tem o sonho de flutuar na floresta com raios de luz de marcha-atrás?”, “Quem tem o sonho de ir a Viana do Castelo?”. E “construir uma nau para conhecer o Tom Cruise”, “ir a Espanha”, “cantar com a Mónica Sintra” ou “conhecer todas as pessoas do mundo”? Eles.
O concerto encenado chamado Viagem é inspirado no livro de José Saramago (A Viagem do Elefante). É o resultado de dois anos do projecto Instrumentos para Todos, dirigido por Rolf Gehlaar. No palco da Sala Suggia, hoje às 21h, estão 70 pessoas. “Um vasto e ecléctico elenco que dá corpo a um concerto que evolui com a própria narrativa de Saramago.” Uma história de sons sobre a viagem de um elefante de Lisboa até Viena. É verdade que têm necessidades especiais. Precisam de coisas diferentes ou das mesmas de outra maneira. Mas têm também algo muito especial para dar. Algo que nós, sentados na plateia, não temos. Em momentos de palco como estes, somos nós que temos respostas para as nossas necessidades especiais. Estão ali, ao alcance de todos.
O texto publicado da Andreia Cunha Freitas no Jornal Público no suplemento P2 pag.12 e 13 , Sabádo 3 Abril 2010
Porto,30 e 31 de Março 2010
Fotos:Paulo Pimenta
Casa Da Música
AO ALCANCE DE TODOS MÚSICA TECNOLOGIA E NECESSIDADE ESPECIAIS ESPECTÁCULO VIAGEM INPIRADO NO LIVRO A VIAGEM DO ELEFANTE DE JOSÉ SARAMAGO, ROLF GEHLHAAR DIR. ARTÍSTICA, ESPECTÁCULO BORDER CONTROL TIM YEALLAND, RACHEL LEACH DIR.ARTÍSTICA
http://static.publico.clix.pt/docs/cultura/alcancedetodos/